Conversas entre escritores

Sempre gostei de ler e assistir a entrevistas com escritores. Primeiro, porque queria ser escritor (e acabei me tornando um) e achava que, lendo ou ouvindo o que eles falaram, eu conseguiria absorver alguma coisa do conhecimento ou do método deles. Segundo, porque também entrevisto escritores.

Muitos autores reclamam de que respondem sempre as mesmas perguntas. Há até um autor, cujo nome infelizmente não lembro, que tem um FAQ preparado para jornalistas que desejam entrevistá-lo. O tal FAQ é atualizado a cada novo livro que ele escreve ou a cada fato importante que acontece em sua carreira. Ele mesmo pergunta, ele mesmo responde. Para jornalistas preguiçosos, coisa melhor não há.

Como entrevistador, tento escapar das perguntas óbvias. Posso garantir que não é fácil, mas às vezes até consigo. Mas o que mais me deixa satisfeito é quando o autor concede a mim uma resposta ou uma frase genial que ele não havia dito a nenhum outro jornalista. (E também, claro, quando o entrevistado elogia as perguntas. Às vezes isso acontece.)

Para quem gosta do assunto, “Conversas entre escritores” (Arte & Letra, 315 págs., R$ 59,00) é um livro imperdível. A obra reúne 21 entrevistas com diversos autores, todas elas publicadas na revista The Believer, que é editada pela editora McSweeney’s, criada pelo escritor Dave Eggers, um cara que eu tenho a maior vontade de ler e até tenho dois livros dele, mas até agora não li.

O legal de “Conversas entre escritores” é que, como dá a entender o título, os entrevistadores também são escritores. Então além de ser possível ler respostas geniais, é possível também ler perguntas inesperadas, como a primeira que faz Jonathan Lethem (outro que eu quero muito ler) a Paul Auster (outro que… enfim):

“Jonathan Lethem – O que você estava fazendo antes de eu aparecer na sua casa?”

A resposta é uma ducha de água fria naqueles que veem a vida de escritor com muito glamour e tempo inteiramente dedicado à literatura. Um escritor é também uma pessoa física, paga impostos, muitas vezes tem família e precisa levar o carro à oficina. Ou, adaptando o último trecho para a nossa realidade, pegam o “busão” todo dia, para ir trabalhar.

O que Auster diz deveria ser lido por todo aquele que aspira a glória literária. Mais: deveria ser impresso e grudado no espelho, para que todo dia o aspirante lesse essa resposta. Quem sabe assim os pés encostassem no chão e a profusão de bobagens recheadas de arrogância publicadas internet e papel afora diminuísse.

“Paul Auster – O de sempre. Eu acordei de manhã. Li o jornal. Tomei uma xícara de chá. E então fui para o pequeno apartamento que eu tenho na vizinhança e trabalhei por cerca de seis horas. Depois disso, tive que resolver alguns negócios. Minha mãe morreu dois anos atrás e havia uma última coisa a fazer com relação a sua herança – um tipo de seguro que tive de assinar. Por causa disso, fui até um cartório para ter os documentos autenticados e os enviei para o advogado. Voltei para casa. Li o boletim da minha filha. Então fui para o andar de cima e paguei um monte de contas. Um dia típico, suponho. Uma mistura de trabalhar no livro e lidar com um monte de coisas práticas e entediantes.”

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