Como a picaretagem conquistou o mundo

Ter um bom estoque de livros não lidos proporciona boas surpresas. Foi por acaso que comecei, no ano passado, a ler “O grande vazio”, de Norman Mailer e John Buffalo Mailer, o melhor livro que li em 2008, sem sombra de dúvida. E foi por acaso que comecei, ontem, sábado, a ler “Como a picaretagem conquistou o mundo“, de Francis Wheen, que está me saindo um senhor livro.

No primeiro capítulo, o autor mostra como Ronald Reagan* e Margareth Thatcher arruinaram a economia de todo o universo e quase causaram um colapso no sistema solar (o exagero é meu, mas as estripulias que ambos fizeram nos EUA e no Reino Unido custaram aos cofres não só de norte-americanos e ingleses, mas de todo o mundo, trilhões de dinheiros e milhares de empregos).

No segundo capítulo, Wheen mostra como alguns canalhas se aproveitaram da situação caótica nos anos oitenta para ficarem ricos, não importando quais fossem os meios. Muitos deles, aliás, foram parar atrás das grades depois de aproveitarem por algum tempo as benesses oriundas de atos ilícitos.

Neste segundo capítulo, o autor também fala sobre os picaretas da auto-ajuda, que, na verdade, mais se auto-ajudam. Diferente dos canalhas do parágrafo anterior, os picaretas da auto-ajuda geralmente enchem os bolsos de dinheiro de maneira lícita, aproveitando crises econômicas, políticas e sociais para colocarem no mercado livros que prometem a realização financeira e pessoal de todo aquele que se dispor a dedicar algumas horas e vinténs à leitura de tais obras.

Transcrevo abaixo dois trechos desse capítulo. Não porque dão uma amostra dele, mas porque ri às pampas com ambos. É bom deixar claro que um excerto é de uma página e o outro é de páginas adiante.

Estudando os títulos exibidos na seção de administração da livraria Borders, você talvez imagine ter tropeçado por engano no departamento de história natural: Leões não precisam rugir: destaque-se, enquadre-se e progrida no mundo dos negócios, de Debra Benton; Nade com os tubarões sem que eles o comam vivo, de Harvey Mackey [até então não traduzido no Brasil, pouco tempo depois foi publicado aqui com o título “Como nadar entre os tubarões sem ser comido“], e Ensinando elefantes a dançar: facultando a mudança em sua organização, de James A. Belasco.

Vejamos um exemplo da lógica da água** em ação: “Quantas vezes ocorre a quem usa um barbeador tradicional considerar se, em vez de mover a lâmina, talvez fosse mais fácil mantê-la parada e mover a cabeça? Na verdade, é muito melhor. Mas ninguém experimenta, porque não há ‘nenhum problema para corrigir'”. Se seus alunos de Whitehall*** experimentassem essa técnica de barbear, logo descobririam por que ela não vingou: os resultados se assemelhariam a uma cena do copião de O massacre da serra elétrica no Texas.

* Não encontrei referências em português que ligassem a Segunda-feira Negra, como é chamado nos EUA o dia em que as bolsas de valores entraram em curto, em 1987, a Reagan.

** “Lógica da água” é um “sistema de pensamento” (pelo visto muito ridículo), ou algo do tipo, inventado por Edward de Bono, em seu livro “Os seis chapéus do pensamento“.

*** Whitehall é a rua que vai dar na região onde fica o Parlamento Inglês. Ao longo dela (da Whitehall, no caso) há uma série de edifícios do governo e tal. Ao menos foi o que entendi, depois de ler uns verbetes na Wikipedia. Se alguém notar que estou errado, por favor, me corrija.

Agora, me dêem licença, vou ler o terceiro capítulo.

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