Eu não queria dar trabalho a ninguém, mas aí o Lucas comentou, o Diego comentou, eu repliquei, agora o Ed comentou e o Lucas também. Sendo que o Lucas ainda escreveu um post enorme no blog dele sobre o assunto.
Se você não tem idéia do que estou falando, leia o post “Em algum lugar longe daqui” e tudo o que vier depois dele.
Eis o comentário do Ed:
Bom, concordo em parte com o que escreveu o Diego, mas faço umas observações: Oscar Wilde disse o “não há livros morais ou imorais, há livros bem ou mal escritos”, e ele tem toda razão. Percebi nessa discussão um certo imbróglio entre gosto pessoal e fato empírico (para ser chato). O que se gosta, discutir é besteira; há gente de muito mal gosto nesse mundo. Gosto do Guimarães, mas duvido que ele não estava inflamado de uma certa invejinha quando criticou Machado e (Deus!) Joyce; mas ele se pautava pela opinião, e tinha todo o direito de fazê-lo. Mas fatos, mes amis, são fatos, para aludir a Wittgenstein. Exemplifiquemos utilizando a música: funk e ópera. Há quem goste do primeiro, e o ache bom, etc. E há que deteste o segundo, ache maçante, chato, pomposo demais, gay até. Mas fato é: funk não é música; ópera é mais que música, é arte, é poesia (alou, Diego), é lirismo.
Já quando o Diego diz que só gosta do que é literatura, esse é um clássico tropeção temporal. Quem diz quando um obra é ou deixa de ser literatura? Os críticos? Não, o tempo. Hermann Hesse foi o Paulo Coelho da sua época, muito criticado, quase apedrejado, e hoje é o que é. Quando se acha um Ulysses, por exemplo, um livro ruim, a chance de o problema estar na cabeça do leitor são muito maiores que as possibilidades de toda uma geração estar equivocada.
Um abraço Rafael, Diego
O trecho em negrito resume mais ou menos o meu pensamento.
Agora, o comentário do Lucas:
Oi Rafael,
Vou ver se escrevo um post-resposta lá no blog, mas queria só dar a minha primeira impressão: acho que o nosso ponto de discórdia é que você considera o consenso crítico como algo objetivo, ou pelo menos como algo de valor dificilmente questionável. O consenso crítico é que Machado é bom, e faz parte do papel do crítico ter a humildade de reconhecer esse consenso e de nuançar sua própria opinião. É isso?
Eu acho, por outro lado, que o consenso crítico é um agregado de opiniões individuais, e que opiniões individuais são intransferíveis. Ou seja, a opinião individual de quinhentas outras pessoas não pode mudar a sua opinião nem a minha. Você pode aceitar que o consenso crítico é que Machado é bom, mas para você Machado continuará sendo ruim.
Há outras questões interessantes que você e o Diego levantaram. Por exemplo, a diferença entre importância e qualidade (no caso do Forster), ou entre atender a requisitos formais e escrever bem (no caso do Baudelaire). Sou um pouco como você e acabo esquecendo dos posts que queria escrever depois de um tempo, mas vou ver se esse sai. Abraços, Lucas
E eu fiquei sem ter muito o que dizer. Porque o Lucas fala o seguinte, no post:
Como, então, criar um conceito de bom que vá além do gosto? Uma solução, ironicamente pouco popular, é a democrática: bom é o que a maioria acha que é bom; 50 milhões de fãs de Elvis não podem estar errados. (A frase que melhor desmonta essa idéia, e que eu li pela primeira vez numa coluna do Dapieve, é “50 bilhões de moscas não podem estar erradas: coma cocô.”) A solução que muitos preferem é a meritocrática: bom é o que uma certa elite do gosto acha que é bom – o tal consenso crítico. Mas a escolha de um grupo de pessoas para dizer o que é bom será sempre arbitrária, principalmente porque gostos são intransferíveis e dependem da biografia de cada um. O que é bom para um grupo de especialistas em literatura ou cinema pode não ser o que é bom para um espectador ou leitor casual. Cada um aprecia uma obra de arte com sua própria bagagem e suas próprias expectativas, e não sei como se pode argumentar que as bagagens e expectativas de alguns são superiores às de outros.
Eu poderia tentar encerrar a discussão e dizer que bom é aquele autor ou obra que foi objeto de estudos acadêmicos sérios. Mas não é tão simples assim, não dá pra encerrar a discussão com esse argumento.
Mas, para mim, bom é o que tem valor, o que foi feito com seriedade por uma pessoa séria. Picasso e Van Gogh não brincavam de desenhar. Machado de Assis e Lima Barreto não brincavam de escrever. Todos foram artistas preocupados com as mazelas de seu tempo, e as obras de todos eles refletem a angústia que sentiam. E são bons.
“Bom” não é “legal”. Em música, por exemplo. Tem muita banda que eu ouço que é “legal”. Mas nem toda banda que eu ouço é “boa”. Ninguém venha me dizer que Calypso é bom, que Tati Quebra Barraco é bom e por aí vai. Los Hermanos é bom. Muita gente não gosta, mas dizer que não é bom? Por que, então, que não é bom? Que prove, mostra por A+B que Los Hermanos não é bom. O Amarante toca mal? As composições são mal feitas? O Bruno não sabe tocar teclado? O Barba não bate bem na bateria? Se alguém provar algo do tipo, aí tudo bem, mas dizer que não é bom e não explicar o motivo, não dá.
Não sei, mas sinto que essa discussão não acaba nunca.
Outro trecho do Lucas:
Um crítico que explique porque não gosta de capítulos curtos nem de excesso de ironia e admira descrições de lugares e pessoas tem, para mim, todo o direito de declarar que não gosta de Machado de Assis.
Até aí, talvez Rafael concorde comigo. Mas ele poderia dizer que o fato desse crítico imaginário não gostar de Machado de Assis por bons motivos não nega a possibilidade que outros gostem de Machado de Assis – que Machado de Assis seja, para as pessoas com o gosto apropriado, bom.
Nesse ponto eu sou um pouco reacionário. E alguns vão me considerar exagerado. Qualquer um tem o direito de gostar do que bem entender. Mas no caso de Machado, por exemplo, ninguém pode dizer que ele não é bom. Direito tem, porque quem tem boca fala o que quer. Mas ninguém tem o poder de dizer isso. A não ser que o sujeito passe a vida inteira lendo Machado, artigos, livros, análises, teses e tudo mais sobre Machado, que leia toda a crítica literária possível sobre Machado e que se torne um Mestre dos Magos da teoria literária. Se um sujeito conseguir fazer isso, ele pode dizer que Machado é ruim. Sem isso, no way. Machado é bom. Ninguém tem o poder de contestar isso. Essa é a minha opinião.
E não se trata de abaixar a cabeça e aceitar o fato de que Machado é bom. Quem quiser e tiver inteligência para tanto, pode perfeitamente procurar falhas na obra machadiana – me restrinjo ao Machado porque foi o exemplo que usei no início, mas o pensamento serve para qualquer cânone, clássico e sinônimos outros. Se trata de ler o autor e reconhecer que ele é bom, por mais que não se goste dele. É o mínimo que se pode fazer, em casos assim. Alguns autores são bons, e ponto final. Não existem quem possa argumentar contra a qualidade deles. Machado, Dostoieviski, Kafka e por aí vai.
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