Cicatrizes, de David Small

Aos onze anos de idade David Small foi diagnósticado com um cisto sebáceo no pescoço. A essa altura o “caroço” podia ser visto por quem quer que reparasse um pouco mais em David, mas passou despercebido pelos pais do garoto.

Sua mãe, uma mulher difícil e com péssimo humor, mal dedicava atenção ao filho. Seu pai, radiologista, parecia querer viver alheio aos problemas de casa, e também não percebeu o cisto de David.

Pouco depois do primeiro diagnóstico, o pai de David “foi promovido ou ganhou um aumento”, e isso fez com que a necessidade de cuidar da saúde do garoto fosse colocada em segundo plano. Em primeiro veio a necessidade de a mãe de David ganhar presentes e gastar dinheiro.

Somente aos 14 anos foi realizada uma cirurgia para retirada do que parecia ser um cisto. Na verdade, era – ou passou a ser – um câncer, e outra cirurgia precisou ser realizada, um dia depois da primeira. A operação foi bem-sucedida, mas com um porém: o garoto perdeu uma das suas cordas vocais e, consequentemente, sua voz.

Essa história o “carro-chefe” da graphic novel “Cicatrizes” (Leya, 2010, R$ 39,90), do escritor e ilustrador norte-americano David Small, na qual ele rememora sua infância e juventude (dos 6 aos 16 anos) em Detroit. Há outros acontecimentos relatados por David que interferem diretamente em sua trajetória e na de sua família – cujo núcleo é composto por seus pais e seu irmão, Ted -, como o fato de sua mãe ter nascido com o coração do lado errado do peito – ao fim do livro ficamos sabendo que, além disso, Elizabeth tinha apenas um pulmão em funcionamento -, e também a causa do seu câncer.

Belissimamente editada pela editora Leya em parceria com a editora Barba Negra – em formidável tradução de Cassius Medauar -, “Cicatrizes” tem sua força mais nas imagens – algo que, imagino, é comum às graphic novels – do que propriamente nas palavras – que têm, também, grande importância e impacto. Mas o traço de David, o que é “dito” por seus desenhos, têm um poder imensurável. Quase impossível não cair no clichê de que uma imagem vale mais que mil palavras. No caso de “Cicatrizes”, várias imagens. Da página 38 até a 44, por exemplo, não há uma fala sequer. Tampouco há necessidade, já que as cenas “falam” – quase “gritam” – por si.

Por conta disso, “Cicatrizes” é um livro cuja leitura é feita de maneira rápida, de uma só vez. E, não apenas por conta disso, mas devido a profundidade da história e à emoção que ela desencadeia no leitor, fica a vontade de relê-la seguidas vezes.

E o leitor que não se aborreça se alguém, em um trocadilho óbvio e, por isso mesmo, ridículo, disser que “Cicatrizes” é muito provavelmente uma das obras mais marcantes produzidas nos últimos tempos. Apesar do infeliz gracejo, isso nada mais é que a pura verdade.

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