Bala achada

Ontem, domingo, meus pais foram à missa, como quase todo domingo vão. Na volta, por volta de 20:30, deixaram o carro do lado de fora, em frente à nossa casa, porque, teoricamente, em pouco tempo eu sairia com ele para levar minha bem-amada em casa.

Enquanto meus velhos tomavam café, Cássia e eu estávamos assistindo “O guia do mochileiro das galáxias”. Iríamos sair quando o filme terminasse, entre 21:30 e 22:00. Isto se, por voltar das 20:45, 21:00, não acontecesse o que aconteceu.

Quando ouvimos o primeiro estouro, achamos que fosse fogos de artifício. Logo em seguida veio o segundo estouro e imediatamente baixei o volume da TV. Foi quando ouvimos um “Vou te matar, seu safado!”, seguido de mais dois estouros. Que eram, claro, tiros.

Tínhamos levantado pra olhar da janela – estávamos no primeiro andar – e quando ouvimos a citada frase mandei Cássia se abaixar e fiquei em pé – essas coisas que fazemos sem pensar, eu deveria ter me abaixado também. Mas a verdade é que comecei a pensar um monte de besteiras, sendo uma delas que minha cachorra, que estava na garagem, poderia ter sido atingida por uma bala perdida. Antes de pensar nela, pensei nos meus pais, óbvio, e mais em meu pai, que tem o costume de fumar na garagem.

Felizmente, como disse no segundo parágrafo, eles estavam tomando café.

Depois de passar pela cozinha, fui à garagem, e minha cachorrinha estava lá, quietinha e ficou muito afoita quando me viu. Ela se assustou com o barulho, acredito eu. Depois, como já havia passado a confusão, fomos lá fora. Não vimos nada, as pessoas estavam dentro de casa, ninguém se atrevia a dar as caras ainda – nem nós, claro, não passamos do portão. Mas, depois de alguns minutos, todo mundo foi criando alguma coragem e, também, precisávamos saber o que tinha mesmo acontecido, ou tentar entender. E foi aí que ficamos sabendo que:

– Algumas casas adiante, vizinhos nossos de décadas estavam ainda na porta de casa, conversando. Sendo que um amigo da família estava dentro do carro e precisou fugir desesperado, com medo de que sobrasse tiro pra ele.

– Na casa quase em frente à minha, o pessoal, também vizinhos há décadas, estava colocando o carro pra dentro justo na hora em que aconteceram os tiros.

Daí o assombro que tomou conta em especial essas duas famílias: eles estavam do lado de fora enquanto tudo acontecia. Algo de muito ruim poderia ter acontecido com eles – felizmente, graças a Deus, não aconteceu.

Ficamos conversando por um bom tempo, cada um contando o que tinha vistou ou ouvido, e só depois foi que meu pai teve a curiosidade de dar uma olhada no carro. Uma bala varou o parabrisa e o vidro traseiro. Outra pegou de raspão na parte da frente do carro. A que atingiu os vidros atravessou o lado do carona. Geralmente quem fica no banco do carona é minha mãe ou eu. Quando o velho está dirigindo. Quando eu estou, quem fica é Cássia. (Analisando melhor a coisa toda, entendemos que um dos alvos do indivíduo armado se escondeu atrás do carro de meu pai – no desespero, ainda largou as sandálias em nosso passeio, imagino que para correr melhor.)

E foi então que pensei no que poderia ter acontecido. Porque é inevitável pensar nisso. E se meus pais chegam um pouco mais tarde? E se Cássia e eu quiséssemos sair um pouco mais cedo? Sabe lá Deus o que poderia acontecer… Claro que, justamente graças a Ele, nada aconteceu. Mas…

Enfim. Ligamos para a polícia, para fazer uma ocorrência ou qualquer coisa que o valha. Afinal, o vidro dianteiro estava com um buraco de bala e o traseiro estava estilhaçado, faltando pouco para não desabar. Esperamos, esperamos… E até agora esperamos. A polícia simplesmente não veio.

Meu pai foi até o complexo policial tentar resolver isso. Antes, ligou pra lá, perguntou se poderia fazer a ocorrência, disseram que sim. Quando chegou lá, disseram que não, queriam de ir a uma tal segunda delegacia, já que se tratava de uma tentativa de homicídio. Meu pai, óbvio, desistiu de ir, porque ele não é nenhum vagabundo pra ficar rodando de um lado pra outro da cidade atrás de uma polícia que não serve pra porra nenhuma.

Hoje meu pai foi ajeitar os vidros. O seguro vai pagar 1 e meio. Mas, se algo de muito ruim acontece – e não digo conosco, mas com qualquer pessoa aqui da rua -, quem ia pagar? Não há seguros para vidas. Há seguros de vida. Mas, para vidas, não.

Já falei aqui sobre a insegurança pública, já falei aqui que nosso bairro era mais tranquilo mas que nos últimos tempos sempre ouvimos tiros por perto, e agora eis que temos um imbecil dando tiros em frente à nossa casa. Enquanto isso, o governador da Bahia, Jaques Wagner (ele é do PT, só pra constar), está mais preocupado em garantir uma aposentadoria vitalícia para ele, para quando acabar o mandato.

Semanas atrás, bandidos barbarizaram Salvador, queimaram não sei quantos ônibus, implantaram toque de recolher e o escambau. E que faz o governador, em vez de aumentar o número de policiais e melhorar as condições de trabalho deles?

Vocês sabem a resposta. Mas direi mesmo assim: o governador não faz NADA. E nós, cidadãos de paz que só queremos um pouco de tranquilidade para enfrentar os problemas do dia a dia, ainda temos de nos virar sozinhos, torcendo para que um tiroteio não aconteça na frente de nossa casa e que, se acontecer, ao menos que uma bala de revólver não encontre algum ente querido.

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