Ao vivo lá em casa, de Arnaldo Antunes

Um dos argumentos mais consistentes em defesa das lojas físicas de livros e discos, e também das locadoras de DVDs – espaços ameaçados pelas imensas facilidades do mundo virtual -, é o do amor. Mas o que tem a ver o amor, esse sentimento nobre, com a sobrevivência de empresas, negócios, pilares do sistema capitalista que, dizem muitos, é injusto e cruel?

Todos esses locais são pontos de encontro de pessoas. Sejam encontros marcados ou ao acaso. Mas é o acaso, o imponderável, que muitas vezes opera pequenos milagres.

Uma livraria pode unir dois professores de filosofia solteiros convictos e descrentes no amor, porém apaixonados por Nietzsche. Pode aproximar dois leitores de gêneros tão díspares quanto o realismo mágico sulamericano e a poesia concreta brasileira. Esses são pequenos milagres. Grandes milagres, como o de fazer uma leitora de autoajuda conquistar um leitor de notáveis romancistas ingleses está na lista de acontecimentos raríssimos ou até impossíveis.

Pode-se dizer o mesmo sobre as lojas de discos e locadoras de filmes. Quantos e quantos casais não foram formados graças a essas pequenas coincidências, como duas pessoas estarem em busca, no mesmo momento, do mesmo disco, e só haver um na loja? Ou estarem procurando bons filmes para assistir e um começar a fazer indicações ao outro?

É claro que, com a internet, muitos casais que jamais poderiam se conhecer, caso dependessem de estar fisicamente no mesmo lugar (escrevi isso e depois pensei “como se pudessem estar no mesmo lugar de outra maneira que não fisicamente”, mas relevem), se conheceram, se apaixonaram e estão juntos até hoje. Mas essa não pode ser a única maneira de iniciar um relacionamento. É preciso deixar espaço aberto para o acaso, para o imponderável.

Um outro argumento em defesa das lojas físicas de livros e discos, e também das locadoras de DVDs, é que estando em um desses espaços as chances de encontrarmos casualmente boas obras é bem maior.

Foi assim, por acaso, que encontrei o disco “Ao vivo lá em casa”, de Arnaldo Antunes. Como não sou um grande fã seu, não soube do lançamento do disco, no fim de 2010. Mas, levado pelo impulso, e por detalhes como as participações especiais do Demônios da Garoa, Erasmo Carlos e Jorge Ben Jor, além da participação de Edgard Escandurra na banda de apoio, e do fato de o show ter sido gravado na casa de Arnaldo, trouxe “Ao vivo lá em casa” para a minha.

A aquisição, arriscada e impulsiva, mostrou-se mais que providencial. Pode-se dizer que a escolha das 14 músicas para compor essa amostra do show lançado em DVD de mesmo nome – que contém 24 canções – foi perfeita. São poucos os discos ao vivo tão bons, com músicas tão boas.

No caso de “Ao vivo lá em casa”, sete canções são de álbuns de estúdio de Arnaldo, uma vem da trilha sonora do filme “As melhores coisas do mundo”, e as outras seis são covers.

O disco é quase inteiramente permeado pelo tom “iê-iê-iê”, da jovem guarda. Influência de seu último disco de estúdio, cujo título é, justamente, “Iê Iê Iê”.

Artista multifacetado, Arnaldo Antunes se aproxima maravilhosamente do pop tanto com “Iê Iê Iê” quanto com este “Ao vivo lá em casa”. Fica difícil até eleger as melhores músicas do disco, tamanho o seu equilíbrio e a sua qualidade. Mas é preciso destacar, pelo menos, o belíssimo cover que Arnaldo faz de “Pra aquietar”, música de Luiz Melodia, a excelente canção que é “Meu coração”, do álbum “Iê Iê Iê”, a divertidíssima “As árvores”, parceria de Arnaldo com Jorge Ben Jor, que conta com a participação especial deste, a singela “As melhores coisas”, a “demoníaca” “Já fui uma brasa” (com participação do Demônios da Garoa) e a enérgica “Cachimbo”. Esta, inclusive, com um novo arranjo, bem melhor que a versão que está no disco “Saiba” (2004).

Talvez “Ao vivo lá em casa” tenha ficado pop demais para os fãs mais ortodoxos de Arnaldo Antunes, conhecido por seus experimentalismos e tom às vezes soturno. Porém, para aqueles que não conhecem ou pouco conhecem o trabalho do ex-Titãs, é um disco que vai agradar, e muito. Principalmente por causa do sentimento de alegria que o disco passa para quem ouve.

Para encerrar este post com um chavão jovemguardiano, “Ao vivo lá em casa” é uma brasa, mora?

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