Caro Alec,
Se você não destruiu esta carta no momento em que identificou a letra no envelope, é sinal que a curiosidade é até mais forte do que o ódio. Ou que o seu ódio necessita de combustível novo.
Agora você empalidece, comprimindo suas mandíbulas de lobo, até os lábios desaparecerem, e joga-se sobre estas linhas para descobrir o que quero de você, o que ouso querer de você, depois de sete anos de absoluto silêncio entre nós.
O que eu quero é que você saiba que Boaz não está bem. E que você o ajude urgentemente. Meu marido e eu não podemos fazer nada porque ele não mantém nenhum contato conosco.
Agora pode parar de ler e jogar esta carta direto no fogo. (Por alguma razão sempre imagino você num aposento comprido, cheio de livros, sentado sozinho junto a uma escrivaninha preta, e diante de você, através da janela, estendem-se planícies vazias cobertas de neve. Planícies sem colinas nem árvores, neve brilhante e árida. Um fogo arde na lareira à sua esquerda, e um copo vazio e uma garrafa vazia estão sobre a escrivaninha vazia em frente a você. A imagem toda é em preto-e-branco. Você também: asceta, arrogante, alto, e todo em preto-e-branco.)
Agora você amassa esta carta, solta um resmungo daquele tipo britânico e joga-a certeiro no fogo: o que lhe importa Boaz? E além disso você não acredita mesmo em nenhuma palavra do que digo. Você finca seus olhos cinzentos no fogo bruxuleante e diz para si mesmo: lá vem ela de novo. Essa mulher não desistirá nem me dará sossego.
Por que então estou escrevendo para você?
Pra saber, só lendo “A caixa preta“, do escritor israelense Amós Oz. O título da história, a sinopse da contracapa deixa bem claro, não tem nada a ver com desastres aéreos. Mas sim com uma relação amorosa desfeita e seus segredos (acredito eu, já que não li o livro todo).
Cartas trocadas entre diversos personagens compõem o romance. O trecho da carta acima quem escreveu foi Ilana, ex-esposa de Alec. Eu já não gostei dela. Seu tom é vingativo, ela parece babar enquanto escreve, de tanta raiva. Mas isso deixa sua carta divertida e irônica. A resposta de Alec é ainda melhor, num tom elegante e fazendo pouco caso. Depois, outros personagens entram na história e também trocam cartas com Alec e Ilana.
A edição que comprei foi a da Companhia de Bolso, com um preço bem mais em conta que a edição original. Ele foi o último livro que comprei em agosto. E com ele inicio mais uma tentativa de comprar apenas um livro por mês. Vamos ver se dá certo.
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